Quarta parte do poema O Navio Negreiro, do escritor Castro Alves:
Era um sonho dantesco!... o tombadilho,
Que das luzernas avermelha o brilho,
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros ... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras, moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a orquestra, irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos...o chicote estala.
E voam mais e mais...
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que de martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!
No entanto o capitão manda a manobra.
E após fitando o céu que se desdobra
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Qual num sonho dantesco as sombras voam!...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!...
Comentando- se...
Um
dos mais conhecidos poemas da literatura brasileira, O Navio Negreiro –
Tragédia no Mar foi concluído pelo poeta Castro Alves em São Paulo, em 1868, quase vinte
anos depois, portanto, da promulgação da Lei Eusébio de Queirós, que proibiu o
tráfico de escravos, de 4 de setembro de 1850. A proibição, no entanto, não
vingou de todo, o que levou Castro Alves a se empenhar na denúncia da miséria a
que eram submetidos os africanos na cruel travessia oceânica. É preciso lembrar
que, em média, menos da metade dos escravos embarcados nos navios negreiros
completavam a viagem com vida.
Navio Negreiro Parte IV - Análise
1ª estrofe: Comentário
O poeta faz referencia à um pesadelo
macabro, em que os escravos ("negros da cor da noite") realizam uma “dança”
horrorosa, a cada chicotada dos açoites enquanto banham-se pelo próprio sangue.
2ª estrofe: Comentário
Retratando a REALIDADE, o
poeta descreve as mulheres (mães) como animais quaisquer, que alimentam seus
filhos não mais com o leite, e sim com o próprio sangue, enquanto as moças
desprotegidas, agora, sofrem assustadas com todo esse ocorrido, que veio como
uma onda de sentimentos e dor, ficam magoadas de não ter suprido antes
suas ânsias, que então por toda a vida existirá.
3ª estrofe: Comentário
Castro Alves, por meio de metáforas relaciona os sons das chicotadas que os negros levavam, a um som que penetra a
alma e os movimentos que o chicote fazia ao realizar tais sons. Os negros
sofriam tal castigo se apenas cochilasse por causa do cansaço.
4ª estrofe: Comentário
Os escravos, todos presos a uma só
corrente, sofriam juntos, choram juntos, eram castigados juntos... Cada um “terminava” o sofrimento de modo diferente, e nos momentos de calmaria alguns ainda
alegravam-se temporariamente para esquecer-se do presente.
5ª estrofe: Comentário
Querendo um pouco de “diversão” o
capitão ordena seus marinheiros a castigarem os negros, de modo
desnecessário, usando da força e da violência, fazendo-os “dançar” com os chicotes, ou seja,
agonizando-os com dor, aos “sons” das chicotadas, que feria os cativos.
6ª estrofe: Comentário
E após as ordens do capitão na
estrofe cinco, o castigo recomeça. Os negros são maltratados e humilhados, em misturas de
sons ressoam as preces dos negros e gritos envolvidos do som da chicotada. “E
ri-se Satanás!…” quem ri são os marinheiros e seu capitão, metaforicamente
retratados como o próprio Satanás, no inferno, que é o navio negreiro.
A parte IV do poema Navio Negreiro de
Castro Alves demonstra de modo extremamente realista o interior do navio
negreiro e suas ocorrências, expondo o sentimento do escravo no momento de
sofrimento e como era aterrorizante os castigos que eles sofriam.
Percebe-se que Castro Alves utilizou muito metáforas para mostrar alguns
acontecimentos do navio, que de modo direto não transmitiria ao leitor a
capacidade de sentir-se dentro do inferno, no caso dentro do navio negreiro,
vendo toda a brutalidade que o homem causou aos negros nessa época escravista horrenda.
Por Artur Lins